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Suicídio na adolescência e entre adultos jovens: vamos encarar a realidade

Porque adolescentes e jovens de 15 a 29 anos estão cometendo suicídio?

Quais as razões que levaram estas pessoas a tirar a própria vida, justamente num momento mágico de descobertas, de crescimento físico e intelectual, de aptidões que afloram, de talentos que surgem, de paixões intensas, de conquista da própria liberdade, de tantas possibilidades que estão por vir?

O aumento do suicídio entre os jovens é um problema mundial?

SIM. A Organização Mundial de Saúde (OMS) aponta o suicídio como a segunda maior causa de morte entre os jovens de 15 a 29 anos de idade no mundo inteiro. Perde apenas para causas externas como violência ou acidentes.

Os dados são alarmantes: mais de 800 mil pessoas tiram suas próprias vidas a cada ano. Isso significa que a cada 40 segundos uma pessoa se suicida no mundo.

No Brasil, o suicídio também apresenta dados extremamente preocupantes: 11 mil pessoas tiram a própria vida, por ano, em média. Houve um aumento de 7% na taxa de suicídios entre 2010 e 2017. A taxa de mortalidade é 3,6 vezes maior entre os homens.

 

Como lidar com a morte de pessoas que nos são próximas?

É muito difícil lidar com a morte natural de pessoas que nos são próximas. Talvez fique ainda mais difícil entender e suportar quando, em uma última e extrema opção, houve a atitude concretizada de tirar a própria vida.

O suicídio em adolescentes e adultos jovens parece ainda ser mais chocante: como alguém, no desabrochar de sua juventude, pode se matar?  É um ato ainda cercado de tabus, medos, angústias, dúvidas e uma sensação frustrante de se imaginar fazendo algo que se deixou de fazer pela pessoa que não está mais aqui.

A sensação de culpa dos pais, família, professores e amigos é inevitável. Perguntas como: “será que eu poderia ter ajudado, de alguma forma?” ou “será que eu deixei de perceber algum sinal, alguma dica?” ficam que nem um rodamoinho atormentando a mente dos mais próximos.

 

Quais as causas que poderiam explicar o aumento do suicídio na adolescência?

Muitas explicações tentam buscar na ciência ou no estilo de vida contemporâneo uma razão para o suicídio nos adolescentes: o cérebro ainda não completamente maduro, a explosão hormonal, depressão, outros problemas ligados à saúde mental, relações virtuais, exposição intensiva às redes sociais, incapacidade de lidar com frustrações, excesso de pressão por sucesso, exposição à drogas e álcool ou dúvidas e insegurança sobre a própria sexualidade, por exemplo.

Fato é que não há uma razão única que explique os crescentes números de adolescentes e adultos jovens que se matam. Claro que a razão é multifatorial e para cada um, especificamente, pode haver uma causa preponderante.

 

A depressão é o fator que mais parece estar associado ao suicídio em adolescentes.

Estudos de José Manoel Bertolote e Alexandra Fleischmann apontam que aproximadamente 35,8% dos adolescentes que se mataram tinham depressão e 28,3% tinham outros transtornos relacionados à saúde mental.

 

Depressão nos dias atuais:  assunto sério que merece muita reflexão.

A depressão está aumentando em toda a população, inclusive entre os mais jovens. Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS) o Brasil é o país campeão mundial do transtorno de ansiedade e somos o quinto em número de pessoas com depressão; o que significa aproximadamente 11,5 milhões de brasileiros.

O mundo está, de fato, mais difícil para os jovens. Não obstante toda a “revolução” tecnológica, toda a modernidade e instantaneidade da comunicação, o mundo está mais complicado para eles.

As centenas de “amigos” que fazem nas redes sociais não dão conta de segurar o isolamento e a solidão que muitos jovens sentem. De fato, nas redes sociais, a regra geral é transvestir-se no melhor “personagem” de si mesmo, com a melhor foto, onde todos aparecem bem-sucedidos, fortes, vigorosos, vencedores, passando pelo mundo com uma felicidade que nunca terá fim.

Não é nada fácil sair do personagem criado e encarar o próprio “eu” frente a frente, tal como é: real, cotidiano, com tristezas, sofrimentos, pontos fracos, complexos e angústias tão naturais de todos os seres humanos.

Mais difícil ainda talvez seja conversar com pessoas, amigos ou família, sobre estes assuntos. A vida é muito corrida e ninguém parece querer saber de problemas.

Além disso, a competitividade é intensa e explícita. Desde pequenas, as crianças têm suas agendas cheias de aulas e mais aulas extras, além das da escola, para que estejam devidamente “preparadas” para o mundo que as espera. Devem ser precocemente bilíngues, dominar um esporte, pertencer a uma “tribo” qualquer  e estar entre os primeiros alunos de uma escola super bem pontuada no ranking nacional. A pressão é grande e qualquer comportamento ou forma corpórea diferente do padrão pode ser motivo para bullying. Não é fácil.

A violência urbana, a que todos estamos expostos, ceifa momentos de descontração e de tranquilidade de todos. Não se pode andar ou perambular despreocupadamente pelas ruas. Não se pode ter um objeto de desejo, sem medo de ser assaltado. Ir e voltar das festas e baladas é motivo de preocupação. Há que se viver atento e em estado de tensão.

O mundo não está fácil para ninguém. As dificuldades mais intensas podem desencadear processos depressivos nos jovens que podem ter consequências graves e extremas como o suicídio.

 

Como identificar a depressão em adolescentes e adultos jovens?

Estes dados nos fazem perguntar quais seriam então os sinais e sintomas destes transtornos para que os pudéssemos identificar e tratar. O problema é que nem sempre os sinais e sintomas são claros e evidentes. Podem passar silenciosamente pela rotina das famílias e das escolas sem que ninguém saiba. Nem o próprio adolescente, que muitas vezes não demonstra nada por uma única razão: ele também não sabe e não percebe que está doente.

O jovem, muitas vezes, não se entende doente quando está com depressão ou com eventuais outros transtornos psíquicos. Por isso, nem sempre a família, amigos ou professores tem como perceber. Seus sintomas e sinais confundem-se com a reclusão, isolamento e/ou eventuais explosões tão características desta faixa de intensas transformações corporais e mentais.

 

Prevenção do Suicídio na Adolescência: sinais para identificar

Fique alerta a um conjunto de sinais, apontados pelo Ministério da Saúde como muito significativos. Podem parecer simples e óbvios se analisados isoladamente, mas em conjunto acendem uma luz vermelha que não pode ser ignorada.

Fique atento se ouvir algum jovem dizer, verdadeiramente:

  • “Vou desaparecer.”
  • “Vou deixar vocês em paz.”
  • “Eu queria poder dormir e nunca mais acordar.”
  • “É inútil tentar fazer algo para mudar, eu só quero me matar.”
  • “Sou um perdedor e um peso para os outros”
  • “Os outros vão ser mais felizes sem mim”
  • “Eu não aguento mais”

Falta de esperança, desânimo com a vida, com o futuro e apatia

Jovens que pensam em se matar em geral são apáticos, indiferentes com seu futuro, sem esperanças, desanimados e sem um plano ou projeto de vida. Não se animam. Não tem vontade de fazer nada. A autoestima é baixa. Podem expressar isso verbalmente ou por meio de desenhos ou mensagens.

Isolamento social e descuido com a aparência e alimentação

Jovens são naturalmente sociáveis. Fique alerta se  algum jovem se isola, recusa-se a falar com amigos, prefere ficar em casa, sozinho, isolado em seu quarto, indo a poucos encontros ou se negando a comparecer a atividades sociais, interagindo menos nas redes sociais, descuidando de sua própria aparência e se alimentando menos e/ou irregularmente.  

Agressividade descontrolada, insônia ou, ao contrário, sonolência excessiva, são alguns de tantos sinais.

 

O jovem que pensa em se matar está “doente”?

O adolescente ou adulto jovem que põe fim à própria vida está, sim, doente. Vamos entender: há doenças do corpo e doenças da mente. Podemos compreender adolescentes que morrem em consequência de doenças do corpo, como um câncer, por exemplo. Os pais, a família, professores ou amigos não se sentem “culpados”. É difícil aceitar que um jovem morra de câncer, claro. Mas, nesta situação, todos tentamos entender que fatalidades existem.

As doenças da mente também são “doenças”. A diferença é que o próprio sujeito é que põe fim à sua própria vida. O adolescente que se mata, como o adolescente que morre por câncer, são igualmente vítimas de suas respectivas doenças.

  • Muitas doenças – do corpo e da mente – que matam nossos adolescentes podem ter um diagnóstico difícil, complicado e muitas vezes tardio.
  • Muitas doenças – do corpo e da mente – que matam nossos adolescentes têm tratamento que pode – ou não – ter sucesso.

Compreender que um jovem, também vítima de uma doença como a depressão, tire a própria vida, num ato de extremo desespero é muito mais difícil, mesmo nos modernos dias de hoje. Ninguém “julga” ou considera “fraco” o jovem que morre vítima de câncer. Mas ainda há os que julgam e consideram um ato de fraqueza os que morrem vítimas de depressão. Sob o aspecto humano, temos ainda muito que evoluir. 

Não há, obviamente, uma única razão que explique a angústia e o sofrimento intenso de quem decidiu pôr fim à vida. Se o ato do suicídio parece violento para quem está observando de fora, imaginem a intensidade do desespero interno de quem optou por essa atitude.

 

Como abordar um adolescente, ou jovem, com risco para suicídio?

Conversar abertamente é o primeiro passo.

Conversar abertamente, sem nenhum tipo de preconceito, saber escutar e procurar entender o que se passa na cabeça de um jovem pode ser uma boa opção para começar.

Na conversa com o jovem, uma dica preciosa: ouça mais – muito mais – e fale menos. Abra espaço para o jovem se abrir e falar. Faça perguntas que demandam respostas mais longas que um simples “sim ou não”, como, por exemplo, “como você está se sentindo hoje?”.

Tenha empatia. Procure entender, sem preconceitos e principalmente sem julgar. Você não é o dono da verdade e discursar um monte de regras não vai ajudar. Evite soluções racionais ou dizer que o jovem tem tudo o que precisa para viver bem e muito mais que muita gente. Essas comparações não adiantam nada e só deixam o jovem mais desamparado, na medida em que ele também não entende por quais razões ele tem desejos de tirar a própria vida.

Mostrar compreensão e apoio, estar por perto, dar o ombro, ser acolhedor pode ser muito importante e fazer toda a diferença.

 

Mais que tudo: procure IMEDIATAMENTE AJUDA DE UM PROFISSIONAL HABILITADO.

Abaixo transcrevemos as orientações do Ministério da Saúde para ajudar pessoas em quem se identificam risco de suicídio:

  • Encontre um momento apropriado e um lugar calmo para falar sobre suicídio com essa pessoa. Deixe-a saber que você está lá para ouvir, ouça-a com a mente aberta e ofereça seu apoio.
  • Incentive a pessoa a procurar ajuda de profissionais de serviços de saúde, de saúde mental, de emergência ou apoio em algum serviço público. Ofereça-se para acompanhá-la a um atendimento.
  • Se você acha que essa pessoa está em perigo imediato, não a deixe sozinha. Procure ajuda de profissionais de serviços de saúde, de emergência e entre em contato com alguém de confiança, indicado pela própria pessoa
  • Se a pessoa com quem você está preocupado(a) vive com você, assegure-se de que ele(a) não tenha acesso a meios para provocar a própria morte (por exemplo, pesticidas, armas de fogo ou medicamentos) em casa.
  • Fique em contato para acompanhar como a pessoa está passando e o que está fazendo.

 

Onde buscar ajuda para prevenir o suicídio?

  • CAPS e Unidades Básicas de Saúde (Saúde da família, Postos e Centros de Saúde).
  • UPA 24H, SAMU 192, Pronto Socorro; Hospitais
  • Centro de Valorização da Vida – 188 (ligação gratuita) O CVV – Centro de Valorização da Vida realiza apoio emocional e prevenção do suicídio, atendendo voluntária e gratuitamente todas as pessoas que querem e precisam conversar, sob total sigilo, por telefone, email, chat e voip 24 horas todos os dias. A ligação para o CVV em parceria com o SUS, por meio do número 188, são gratuitas a partir de qualquer linha telefônica fixa ou celular.
  • Também é possível acessar www.cvv.org.br para chat, Skype, e-mail e mais informações sobre ligação gratuita.

Por mais doloroso e difícil que seja, precisamos encarar o suicídio na adolescência, e entre adultos, de frente. Precisamos estar atentos aos jovens que demonstram comportamento depressivo, ou agressivo, que se isolam socialmente ou que descuidam de si mesmos.

Fiquem atentos. Conversar abertamente, sem julgamentos pré-determinados ou preconceituosos é o primeiro passo.

Procure ajuda profissional sempre que identificar um jovem em risco. Esse jovem pode estar doente. Não se omita. Passe adiante a importância de estarmos atentos ao risco de suicídio em nossos jovens. Todos somos responsáveis.

Publicado por Dra. Ana Escobar
Dra. Ana Escobar (CRM 48084 | RQE 88268) é médica pediatra formada pela FMUSP (Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo), pela qual também obteve Doutorado e Livre Docência no Departamento de Pediatria.

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